sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O rico e a Ignorante

Ouvindo música distraída, andando a passos desinteressados, olhando para frente e segurando com carinho a caixa que carregava nas mãos, foi interrompida de sua caminhada por um estranho apressado que esbarrou nela, e permitiu que ela deixasse a caixa cair no chão.
Uma parte dela gelou, tremeu, chorou e enfureceu-se ao mesmo tempo.
Não se deu o trabalho de olhar quem a havia perturbado, só agachou-se junto a caixa caída, para ver o conteúdo em seu interior quebrado. Se nunca tivesse visto o que a caixa guardava, jamais saberia o que aqueles cacos transparentes uma vez foram.
Imaginando que o responsável pela brutalidade já tivesse ido embora, ela pegou a caixa e sentou-se no meio fio.
Ela abriu e fechou a caixa diversas vezes, num desejo desesperado de ver o que era seu tesouro restaurado. Sem sucesso.
O rapaz que a havia interrompido não tinha ido embora, em meio as pessoas ao seu redor, que iam e vinham sem sequer notar a garota no meio fio, com um celular na mão, longe do ouvido observava.
Ele pensou, 'eu poderia voltar lá, dizer que sinto muito, que compro outro seja lá o que for...mas ela parece tão triste.'
O vento frio, fez a neve nova cair. o volume de pessoas diminuiu. E ela nem notou que estava coberta da manta gelada do tempo. O rapaz também não se moveu.
Absorto em suas teorias de comportamento, e seus compromissos gritantes, o senso de urgência de seguir em frente, ele via os flocos da delicada neve cair em câmera lenta.
Ele andou sem perceber, sentou-se ao lado da moça. E pôs um braço ao redor de seus ombros.
Automatica e sem pensar ela pousou a cabeça no ombro dele.
Quem os visse imaginaria que eles se conhecem.
Imaginaria que são amigos.
Imaginaria que alguém morreu por isso o moço a estava consolando
Imaginaria que eram amantes.

Ela disse para si mesma: "Quebrou. Acabou. Agora que está quebrado. Não há concerto. Nem esperança."
Ele ouviu as palavras sussurradas e amargas dela e disse: "Está quebrado, há concerto. Eu posso concertar. Se me permitir."

"Não se concerta um coração partido, uma mente debilitada, ou a morte de alguém. Para essas coisas não existe concerto. O cristal é só um material. A lembrança, a memória, não pode ser recuperada." ela disse, encarando a rua coberta da fina neve, onde nenhum carro mais passou.
"Sinto muito." ele desculpou-se ignorando a voz da urgência de seus compromissos.

Deveria levar os cacos para casa? Guardar a memória do que foi partido?
O papel amassado jamais poderá voltar a ser perfeito.

Ela levantou-se, e deixou a caixa com o jovem rico.
"Eu não sei quem você é. Não sei o que você tem, nem no que você acredita. Mas eu não posso carregar uma lembrança partida. Fique com isso. Concerte, se isso o fizer sentir melhor. Mas verá que as imperfeições da pedra, são ainda mais raras do que a sua pureza. Essa estátua significava muito para mim. é um símbolo, uma memória daqueles que a tiveram antes de mim.
Carregou o sangue da minha família, a historia da minha casa.
Seu preço se torna inestimável, se seu valor sentimental valesse algum centavo.
Fique com ela. Quem sabe você perceba que tudo que é caro nesse mundo, perde o valor, quando você tem algo que significa alguma coisa. Você pode encontrar muitas dessas em qualquer loja.
Frias e sem significado. Mas jamais encontrará uma que carregue esses sentimentos."

Ela tocou o ombro do jovem rico, sentindo a neve gelada na ponta dos dedos. E saiu andando.
O rapaz a olhou ir embora, só para ver ela ser atropelada por um carro. E ver seu sangue formar um desenho na neve branca.
Uma imagem que ele não esqueceria tão cedo.
Uma asa de pássaro formou-se saindo das costas da garota que viu pela última vez o céu abrir-se, e despejar um manto de neve.